Por: Elson (Kiko)
O 4º Salão do Livro do Tocantins, organizado pelo governo estadual, foi mais que um mero evento anual. Os que estiveram e permaneceram por horas – alguns, dias até – degustaram apresentações diversamente enriquecidas no Café Literário, castelo “medieval” inflável para pequenos trinitrotoluenados (combinação perigosa, nem por isso menos eficaz), além do vocativo acervo de livros e livretos (os mais inacessíveis infeliz e predominantemente mais caros que no mercado convencional, com exceção da Editora da Biblioteca Nacional e da Federação Espírita. Sem diminuir “los libros más pequeños del mundo”, do Peru, até porque nem poderia...). Impressionou também o aparato de segurança. A quantidade de trabalhadores responsáveis pela ordem social até lembra, retornando à Hélade, do temor dos ploutos de uma oclocracia (onde okhlos se refere ao povão mesmo, às turbas, à plebe: vide wikipedia, que hoje tem mais autoridade que as antigas Barsas). Por que o medo descarado do povo? Reverência à Aristóteles, quando afirmava que esse tipo de poder levaria as formas puras de governo à degeneração ou, como diriam nossos avós/pais/mães, tinha caroço nesse angu?
Curiosos com o estado de “pronta ação” para repelir os desajustados, aproximamo-nos para xeretar e confirmar se as suspeitas tinham fundamento. O indicativo somente poderia partir do próprio povo, financiador do projeto. Aguardar nas filas, seja para pegar os convites, seja para insistir em entrar sem possuí-los, para assistir as vozes amplificadas no Auditório Otávio Barros traria as respostas. Em algumas apresentações, a curiosidade do público extrapolou o limite de 1.000 pessoas. Por amostragem, acompanhamos o drama (dramático mesmo) dos que ficaram nas portas e caras fechadas da palestra de Zeca Camargo. Justificável, para os “amistosos” palhaços (sem ironia, eram clowns mesmo) em perna-de-pau, que os “amiguinhos” RACIOCINASSEM que somente seria possível entrar com um convite, por respeito aos que ficaram excruciantes horas para obtê-los. Injustificáveis, dois aspectos:
a conclusão apressada (ou ordenada) de que os que não tinham convites possuíam menos direitos constitucionais (elencados no caput do artigo 5°) se não puderam abrir mão de três horas de seu dia de trabalho uma lua antes;
o fato de convidados, devidamente respaldados pelo papel brilhante, individual, bem impresso e, obviamente caro, serem impedidos de transpor os obviamente caros portais de vidro blindex, resistentes à quase tudo, inclusive sons externos e internos.
No front de batalha, tremiam os seguranças, sozinhos contra dezenas, quase centena ou mais, de inconsoláveis excluídos. Como resposta, além da expressão sisuda que lhes garantiu o emprego temporário (um dos 1.500, de acordo com o empolgado hotsite da Secretaria da Educação e Cultura do Estado do Tocantins), a mensagem tipo secretária eletrônica-terminator: “Pergunte aos organizadores”.
Os crachás de organização (que provavelmente não foram confeccionados pela editora peruana acima elogiada) desapareceram subitamente. A maior parte estava nos backstages, braços dados com os colegas jornalistas e suas respectivas credenciais. Ou alguém esperava que eles sairiam da climatização antártica do auditório para verificar por quê tantos gritavam lá fora? O Armário, para contemplar as possibilidades dos dois ambientes, avisou ao palestrante com um cartaz muitíssimo bem elaborado (folhas de caderno recicláveis – tomara que sejam mesmo!) o que acontecia além do vidro fumê. Só pôde lavar as mãos a la Pilatos. Começou aí outra saga, a da entrevista com o editor-chefe do Fantástico. Mas essa é outra história. Voltemos.
Relembrando o poder de Gandhi ao lidar com os soldados ingleses nos anos 40 do século passado, sugerimos às pessoas que se sentassem, explicando a delicada situação dos seguranças, pagando por aquilo que não lhes cabia. Não oferecendo resistência, os portais poderiam ser abertos e , de fora, poderíamos ouvir a palestra sem necessariamente entrar e comprometer as recomendações da Brigada de Incêndio. A maior parte acatou, menos aqueles que não se conformaram em ter o convite e permanecer de fora. Tentamos argumentar, convencer os seguranças e, apesar de sentirmos sensibilidade nos próprios, sentíamos o peso das “forças ocultas nas negativas. “É injusto”, escapou de um deles. Enquanto saíam pessoas e o salão esvaziava, permaneciam atônitos os insistentes lá fora.
Para entender o porquê do “Pluto-crático”, visualizem a inédita (provem o contrário, por favor) cena do encontro entre ele, o cão, e Pateta, o cachorro. Na teoria, ambos são canis familiaris. Na prática, um é humanizado, gozando inclusive do direito de possuir habilitação para dirigir (contudo bem nervosinho) enquanto o outro possui idiossincrasias que atribuímos aos amigos caninos: ossos, cruzas e atenção do dono, por exemplo. “Nem todo mundo tem educação, nem todo mundo pode. Se tivesse o crachá (credencial), entrariam”. A afirmação foi extraída de uma conversa com uma repórter, tentando justificar a ausência do veículo onde trabalha (público, aliás) na situação que se repetia em cada palestra. Conivência? Medo? Omissão? Nós, de cá, plutos sem um pluto furado nem dono, ainda aguardamos que o simpático e atrapalhado Pateta, com tantos direitos e concessões, lembre que ser jornalista é se assumir como voz de quem não pode falar. Acá, sorrindo, continuaremos. Que nos próximos dias, latamos alto para pedir que algumas oportunidades ultrapassem mil lugares e alcancem os 240 mil alardeados.
Viveram essa história: Daniel Silva, Lorrany Zica e Cúmplice, Fayad Neto (crédito das fotografias: providencial), Willian, Wendy, Luíza, além de outros que Alzheimer precoce não permite denominar. Perceptível: o compromisso de informar pode extrapolar sem desrespeitar regras. Relevem os vícios, parênteses, reticências e populesque, ok?